14.11.17

Meu amigo o escritor (e grande desenhista) Jorge Lescano fez a travessia


(Clique na imagem para ampliar e VER melhor)

Hoje foi um dia imensamente triste. O dia em que fiquei sabendo da morte de um querido amigo. Um amigo que conheci no final dos anos 60 do século passado.
Soube hoje que Jorge Lescano terminou de fazer sua travessia no dia 6 de maio de 2017.
Essa vida corrida e cruel nos distancia dos amigos. E quando menos se espera, vem aquela notícia que te deixa sem norte, procurando um sentido nisso tudo. Você perdeu um amigo.
Até hoje de manhã, para mim ele estava vivo, e como sempre pensando as grandes e pequenas questões da estética, da narrativa, e escrevendo seus contos e novelas que funcionavam como textos criptografados, enigmas para serem decifrados num momento de grande lucidez da humanidade...Pensava nele lá em seu apartamento no edifício Copan, no meio de seus livros e desenhos... Não faz muito tempo (ou faz) ele me enviou seu último livro, que tenho aqui na estante e estava para ler e fiquei devendo uma resenha...
Ele, grande artista que não gostava de aparecer e por isso não botava sua fotografia na orelha de seus livros. Gostaria de publicar o seu retrato, não sei se seria uma traição...por enquanto publico as capas de seus livros, que é o que ele mais curtia...
Confesso, que tomado pela emoção fiquei paralisado até agora, não encontrando palavras para falar de sua falta.
Preferi então, "repostar" aqui o texto que fiz sobre um de seus livros.
Vou também solicitar à sua ex-companheira que me autorize a usar fotos que ela postou em seu blog, numa linda homenagem que fez a ele. Vale a pena ler seu texto delicado e emocionante. Aqui vai o link: http://www.recantodasletras.com.br/homenagens/6114918

Agora o meu texto que fala um pouco do amigo e autor Jorge Lescano e de seu livro "O traidor de Dublin"publicado em 9 de novembro de 2013.

O traidor de Dublin está na praça

(NR: Este é um texto que será corrigido - escrevi ao sabor da emoção de reencontrar um amigo e sua escrita - sem respirar, com uma pontuação claudicante cometi essa croniqueta)


Um novo livro misterioso e raro acaba de chegar às livrarias. Seu título já é um enigma Falsificação das didascálias do manuscrito d'O traidor de Dublin segundo o rei, a velha e o poeta de San Pablo City.
Seu autor é Jorge Lescano, um cidadão do mundo que nasceu na Argentina, terra de craques como Messi, Borges, Piglia y otros.
Alguns exemplares desse novo livro podem ser encontrados sites das livrarias Cultura, Martins Fontes e Asabeça. Não vou fazer uma resenha dessa obra, pois recebi o livro agora e ainda não consegui completar sua travessia. Pelo pouco que li, percebo que é uma aventura estética provocadora, um jogo com o prazer da escrita que suscita o prazer da leitura. Só queria escrever algumas linhas sobre seu autor - e nisto estou sendo injusto com Lescano, pois acredito que merecia um texto mais bem escrito, mas espero que ele encare como um depoimento de uma testemunha de seu imenso talento.
Foi entre os anos nebulosos de 1966 e 1967 que conheci o artista argentino Jorge Lescano. Acredito que ele tinha acabado de chegar ao Brasil naquela época e logo emplacou uma exposição na então prestigiada galeria da Folha de S. Paulo. Nela exibiu uma série de desenhos impressionantes, feitos a nanquim utilizando a técnica de bico de pena. Eu era um moleque que trabalhava como contínuo no Depto. de Promoções desse jornal por essa época. Sua exposição durou um bom tempo (que hoje não consigo me lembrar) e confesso que não me cansei de esquadrinhar aqueles desenhos magníficos toda vez que entrava no prédio para mais uma jornada de trabalho.
Tive poucas conversas com o artista em questão naquele tempo, mas percebi que era uma pessoa muito gentil- boa-praça mesmo, apesar de esgrimir uma ironia implacável.
A exposição um dia acabou, e sabe como é a paulicéia desvariada, cada um seguiu seu caminho. Jorge recolheu suas obras, e foi buscar seu destino naquela cidade polifônica. Eu, dentro de meu labirinto fui parar num laboratório de uma grande indústria química de São Miguel Paulista. Tinha que fazer um estágio, necessário para receber o diploma de técnico- químico, que acabei chutando para o alto, pois não entreguei o relatório da minha experiência. E não foi porque me recusei a escrever o tal texto, é que exagerei na dose e o dito cujo ficou imenso, a ponto de me perder nele, e como tinha que trabalhar, depois do estágio, fui me empregar num outro laboratório, este de controle de qualidade de uma fábrica especializada em envasamento de aerosol . Lá se envasava de tudo: inseticidas, perfumes, tintas, cosméticos, remédios, desodorantes etc. Resumindo: acabei ficando com um certificado de conclusão equivalente ao curso colegial considerado "científico" nessa época pois fornecia formação em exatas (existia o ramo chamado de clássico voltado para humanidades). Nesse tempo eu alimentava a ilusão um dia terminar o relatório e obter meu diploma de químico. Mas num fim de uma certa tarde, num momento em que saí do laboratório para fumar, me encantei com o refugo que jazia nos fundos da fábrica - era um lixo colorido e luminoso, que bateu na minha cabeça como uma metáfora do fim da nossa civilização técnico-científica.O tropicalismo estava em cartaz… Em vez de terminar o relatório, comecei a escrever uma peça de teatro anárquica, na qual um grande cientista se recusa a fornecer o código de um descobrimento fundamental, que serviria para destruir a humanidade. Foi aí que desisti daquela profissão de "químico cheiroso", e acho que com essa atitude salvei minha vida, pois sempre fui um alérgico de carteirinha e sofria por trabalhar num ambiente onde conviviam os mais variados odores. Aquela mistura de cheiros de inseticidas (mata-barbeiro , mata berne, mata-barata, e mata outros insetos e bichos escrotos) perfumes baratos, remédios para asma, aromatizardes de ambiente, tudo aquilo estava penetrando pelos meus poros, tomando conta dos meus pulmões, fazendo com que eu me transformasse num sujeito movido a espirros… Para desespero da minha família resolvi sair daquele mundo industrial e levado por um livro de Talcott Parsons (que ironia!), acabei desembocando num cursinho vestibular. Lá, com auxílio luxuoso de uns amigos, cai dentro de um curso de Sociologia, no auge da ditadura, e por tabela fui trabalhar numa fundação que operava em favelas e bairros operários … Acho que é bom parar de relatar essa minha história.
Na verdade esses detalhes não importam, e sim, que um belo dia, perto do final dos anos 70, tornei a encontrar com Lescano, mas não me lembro bem das circunstâncias. Recordo que chegamos até a trabalhar juntos como "especialistas em comunicação" nessa fundação, mas isso não durou muito e nossa dupla criativa logo se defez. Nesse meio tempo eu casei, comecei a publicar ilustrações na chamada imprensa alternativa, sofri um acidente numa mini-moto e acabei saltando fora de Sampa.
Junto com minha primeira mulher que carregava um filho para nascer fui morar no Rio de Janeiro. Consegui, depois de muita luta entrar para o Jornal do Brasil e fiquei na redação por uns 30 anos e fumaça desenhando, escrevendo e aprendendo…um tempo do qual não me arrependo.
Lembro que logo nos início do ano de 1977 Lescano e sua esposa estiveram hospedados na minha casa numa visita ao Rio para conhecer as belezas dessa cidade. Chegamos a esboçar uma visita a uma escola de samba, mas nos perdemos no meio do caminho...

Nas minhas voltas aos campos de Piratininga para visitar minha família, que insistia em permanecer contemplando a solidez do Tietê, de vez em quando mantinha contato com meu amigo artista. Por essa época Lescano tinha bolado uma oficina de criação de texto - o que me surpreendeu. Ensinava jovens talentos a penetrar na atmosfera da escrita. Mais tarde publicou um livro de contos pela editora Ática, que tinha por título Amanhã São Péron (1978). Soube agora que em 1983, publicou Os quitutes de Luanda, pela editora Criar de Curitiba…..
O tempo passou e ele continuou sua tarefa de mestre, agora ensinando Teoria do Teatro. Para minha surpresa, por meio da internet conseguimos nos reencontrar (acho que ele me achou nesse blog), e hoje recebi seu livro O traidor de Dublin…que mais posso dizer? É um novo reencontro com o talento desse amigo que tece labirintos e enigmas textuais. Jorge é um talento múltiplo, dono de uma bagagem intelectual imensa e invejável que a universidade até agora perdeu. Era para estar dentro de um departamento de alguma faculdade de comunicação, letras, teatro ou artes cênicas organizando cursos, transmitindo seu conhecimento e beneficiando as novas gerações com sua criatividade. Vou parar por aqui, volto ao livro de Lescano,Dublin me espera.
***
Para finalizar publico outro texto - esse pequeno que fala de outros livros de Lescano.(publicado no dia 26 de setembro de 2016)
Jorge Lescano reside no Brasil desde 1969. Escreve em português, mas sua formação é argentina. Seus relatos, escritos nas últimas quatro décadas, são breves e abordam temas variados, quase sempre sob uma visão cultural. Os motivos vão da pintura ao futebol, passando pela literatura, política, teatro, etc.
Publicou: Amanhãs São Perón (contos); SP, Ática, 1978; Os quitutes de Luanda (infantil, Curitiba, Criar, 1983 (Premiado pela Biblioteca Internacional da Juventude/Munique – Alemanha).
Publicou recentemente:O traidor de Dublin; Gol! e Diálogo do Rei e o Réu.
Os dois primeiros de relatos, o terceiro um romancete; (prefere este neologismo ao termo novela, sempre identificado com a TV).
No próximo sábado 1º. de outubro, Lescano estará lançando estes três livros na base do Pague se e quanto quiser, na TAPERA TAPERÁ, Galeria Metrópole (Atrás da Biblioteca Mário de Andrade); Av. São Luiz 187, 2º andar. São Paulo.
Horário: das15h às 18h.
Todo mundo lá!
Hasta siempre, grande amigo!
Viva Jorge Lescano!




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