1.11.17

A celebração do gênio musical - Pixinguinha

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Brasil festeja os 100 anos da obra prima Carinhoso e os 120 anos de Pixinguinha


Texto de Jorge Sanglard
(Jornalista e pesquisador. Escreve em jornais em Portugal e no Brasil)


Os 120 anos de Alfredo da Rocha Viana Filho (23/4/1897 Rio de Janeiro, RJ - 17/2/1973 Rio de Janeiro, RJ), o genial Pixinguinha, estão sendo celebrados, desde 23 de abril de 2017, e revelam o amor e o reconhecimento dos brasileiros pelo mestre do choro e da MPB. E o 23 de abril se transformou não só no dia de São Jorge, mas no Dia Nacional do Choro, para reverenciar o aniversário de Pixinguinha. Assim, mesmo tendo sido registrado em outra data, 4 de maio, como se descobriu há pouco tempo, o músico tem sua biografia ligada definitivamente ao 23 de abril. E, em 2017, comemora-se ainda os 100 anos de "Carinhoso", obra prima de sua autoria, criada em 1917, e que ganhou letra, em 1937, de Braguinha (Carlos Alberto Ferreira Braga, o João de Barro, Rio de Janeiro, 29 de março de 1907 - Rio de Janeiro, 24 de dezembro de 2006).
O acervo pessoal do compositor, instrumentista, arranjador e maestro encontra-se sob a guarda do Instituto Moreira Salles (IMS) e, desde 2000, os documentos pessoais, medalhas, troféus, álbuns com recortes de jornal, centenas de fotos, roupas, registros de memória oral realizados por seu filho Alfredo da Rocha Vianna Neto, o Alfredinho, a flauta tocada durante décadas pelo músico e um lote de aproximadamente mil conjuntos de partituras com arranjos feitos por Pixinguinha ao longo da vida estão sendo digitalizadas, catalogadas e estão sendo consultadas e estudadas por músicos de todo o país e de fora. E esse resgate da criatividade de Pixinguinha é o maior tributo que se pode prestar ao seu talento musical.
O IMS, em parceria com o Hacklab, também homenageou o músico com a criação do site pixinguinha.com.br, reunindo e disponibilizando todo o acervo, sob a coordenação da pesquisadora Bia Paes Leme, que articulou junto com o pesquisador Pedro Aragão e o pesquisador e biógrafo de Pixinguinha, José Silas Xavier, a realização do primeiro catálogo crítico de obras de Pixinguinha, abrangendo 515 verbetes, onde se destacam cerca de 300 ou 400 músicas do autor, incluindo 45 preciosidades musicais ainda inéditas.
Portanto, ao celebrar o centenário de Carinhoso e os 120 anos do mestre Pixinguinha, o país reafirma a importância de um de seus mais influentes músicos do século XX e que, em pleno início de século XXI, permanece como uma das referências maiores da Música Popular Brasileira. A criatividade do arranjador, compositor, instrumentista e maestro só encontra paralelo em outros dois gigantes da nossa música: Heitor Villa-Lobos (1887 - 1959) e Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994). Nunca é demais salientar que Villa-Lobos, Tom Jobim e Pixinguinha se constituíram na Santíssima Trindade da Música Popular Brasileira, e abriram perspectivas musicais para além de seu tempo ao criarem, cada um a seu modo, uma obra musical inventiva e inspirada nas coisas do Brasil.

A Santíssima Trindade da MPB


Assim, Villa-Lobos, Tom Jobim e Pixinguinha estão para a MPB como Dizzy Gillespie, Miles Davis e Charlie Parker estão para o Jazz, como a Santíssima Trindade do Bebop. Dizzy Gillespie, Miles Davis e Charlie ‘Bird’ Parker encarnaram o Pai, o Filho e o Espírito Santo no bebop, uma verdadeira revolução que lançou as bases do jazz moderno. A linguagem do jazz, a partir do bebop, entre 1944 e 1949, foi alterada radicalmente seja melódica, seja rítmica e harmonicamente, determinando uma ruptura com o tradicional. O jazz, com o bebop, passou a ser arte e não mero divertimento. Ao contrário do swing, o bebop não servia para dançar, daí sua pouca penetração popular, e mesmo músicos em ascensão, como Bird, Dizzy e Miles, eram atingidos pelo preconceito contra a música negra. No Brasil, ao longo do século XX, Villa-Lobos, Tom Jobim e Pixinguinha se projetaram como o Pai, o Filho e o Espírito Santo da MPB, a nossa Santíssima Trindade da MPB, que injetou sangue novo expandiu horizontes, além de conquistar prestígio e respeito mundo afora.
O pesquisador e biógrafo de Pixinguinha, José Silas Xavier, ressalta que Pixinguinha foi um flautista incomparável e mereceu de Mário de Andrade a inclusão de seu nome entre as maravilhas da flauta brasileira. E, Sérgio Cabral, o pai, crítico respeitado e também biógrafo de Pixinguinha, além de autor do livro "Pixinguinha / Vida e Obra" (Editora Lumiar), enfatiza que o músico foi o maior flautista brasileiro de todos os tempos, opinião compartilhada por José Silas Xavier, mesmo considerando a grandeza de Patápio Silva (1880 - 1907), que pode ser constatada nos velhos discos da Casa Edison, ou a grandeza de Joaquim Antônio da Silva Callado Júnior (1848-1880), considerado por muitos como o “pai dos chorões”. Callado não deixou gravações, mas segundo Silas Xavier, deixoua fama de exímio flautista em depoimento dos que o ouviram.
E Silas Xavier destaca que, nos anos 1940, por motivos não muito claros, Pixinguinha trocou a flauta pelo saxofone e não foi menos genial. Quem tiver a oportunidade de ouvir as gravações de Pixinguinha com o flautista Benedito Lacerda poderá comprovar a beleza dos seus contrapontos, verdadeiras obras primas da utilização do contraponto na música popular, sempre criativo e nunca óbvio. Villa-Lobos adorava esses contrapontos e Basílio Itiberê dizia que os aprendera com Bach e Pixinguinha.
Ainda segundo José Silas Xavier, o Pixinguinha maestro teve papel de extraordinária importância, bastando lembrar sua participação à frente dos 8 Batutas em 1919, da Orquestra Típica Pixinguinha / Donga no final dos anos 1920, do grupo da Guarda Velha e dos Diabos do Céu - orquestras criadas por ele nos anos 1930 para gravações da Victor, onde era regente - e do Grupo da Velha Guarda na década de 1950, "num abençoado momento de redescoberta da Música Popular Brasileira mais tradicional em festivais, shows e gravações na extinta Sinter", como escreveu o pesquisador e crítico João Máximo.
A presença de Pixinguinha como orquestrador é marcante, segundo aponta Silas Xavier, seja nos deliciosos arranjos para marchinhas carnavalescas ou juninas, ou para as polcas e maxixes da Velha Guarda. Sua importância como orquestrador cresce à medida em que se sabe ter sido ele um dos pioneiros em fazer arranjos para músicas nossas e o responsável pela implantação de uma linguagem instrumental caracteristicamente brasileira, como acentuou o maestro Júlio Medaglia.
Para Silas Xavier, o compositor Pixinguinha pode ser ouvido em inúmeros lançamentos após a morte do mestre da MPB. Apesar de não ser muito extensa, sua obra é de cerca de 300 composições conhecidas e mais umas 100 inéditas. Autor de valsas, polcas, maxixes, sambas e tudo o mais, é nos choros que se pode melhor apreciar sua genialidade. "Carinhoso", que completa 100 anos de sua criação, "Ingênuo", "Vou Vivendo", "Cinco Companheiros", "Naquele Tempo", "Lamento" e "Sofres Porque Queres", na opinião do pesquisador Silas Xavier, são exemplos de sua grandeza como compositor.

Nascido em berço musical

Pixinguinha nasceu no bairro da Piedade, no Rio de Janeiro, e foi criado num ambiente musical. Seu pai era flautista e gostava de reunir músicos em sua casa para tocar. Nessas reuniões, revela José Silas Xavier, tocava-se quadrilha, polca, valsa, xótis ou mazurca, já que a palavra choro não expressava ainda, no início do século XX, a categoria de gênero musical. Por essa época, choro era a denominação dada aos pequenos conjuntos de música popular que executavam aquele gênero "chorado", plangente, normalmente constituído de flauta, violão e cavaquinho (terno), formação que foi se ampliando ao longo do tempo pela incorporação de outros instrumentos. O choro, enfim, segundo José Silas Xavier, era a maneira brasileira de tocar os importados gêneros musicais dançantes da época.
"Nascido na década de 1870 nas biroscas da Cidade Nova e nos quintais dos subúrbios do Rio de Janeiro, o choro tinha como componentes, no geral, funcionários dos Correios e Telégrafos, da Estrada de Ferro Central do Brasil, da Imprensa Nacional e da Alfândega, que se reuniam por puro lazer domingueiro e pelo prazer de fazer música", como ensinou o musicólogo, historiador, pesquisador e violinista Mozart de Araújo (1904 - 1988), autoridade no assunto. E entre os chorões que frequentavam a casa de Pixinguinha estava Irineu de Almeida (1863 - 1914), excelente músico, tocador de oficleide, bombardino e trombone, de grande influência em sua formação musical.
A propósito das reuniões na casa de Pixinguinha, o músico declararia em depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro: "Eu menorzinho, ficava apreciando... gostava de música. Por volta de 20 ou 21 horas, meu pai dizia: menino vai dormir. E eu ia para o quarto. Mas não dormia, não. Ficava ouvindo aqueles chorinhos que eu gostava tanto". No depoimento ao MIS, Pixinguinha ainda arrematou a questão: "Na época eu já tinha uma flauta de folha. No dia seguinte, executava os chorinhos que tinha aprendido na véspera, de ouvido". O pesquisador e biógrafo José Silas Xavier afirma que esse ambiente de casa interferiu decisivamente na formação musical de Pixinguinha e seus irmãos, e se reflete nos seus choros maravilhosos e inventivos.
Pixinguinha vivenciou no Rio de Janeiro, ao lado de Donga (05/04/1890 - 25/08/1974) e de João da Baiana (17/05/1887 - 12/01/1974) , a criação do samba e da base musical para o se convencionou chamar de MPB e, lançando mão da inventividade e da inspiração, articulou com precisão a simplicidade e a sofisticação, criando uma música inovadora, com destaque para a valorização da riqueza melódica. A essência afro-brasileira impregnou a obra de Pixinguinha e sua trajetória como um dos mestres da música popular brasileira é uma fonte de inspiração de intensidade ilimitada.
Villa-Lobos, perguntado num workshop na França sobre onde estudou, respondeu: "Na Universidade de Cascadura". E, de pronto, veio nova pergunta sobre quem foram seus mestres. Após um silêncio, o maestro, arranjador, compositor e instrumentista respondeu sério: " Pixinguinha, Donga, Sátiro Bilhar".
E o mestre da arte brasileira, Di Cavalcanti, não fez por menos ao declarar poeticamente: "Terra carioca / Senhora e dançarina / Do norte ao sul, sempre embalada em sonhos / Ouvindo o carinhoso e amável canto / do Rei da flauta e do saxofone / Meu irmão em São Jorge / Meu irmão Pixinguinha".

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