7.11.16

O iluminado Tom Jobim - 22 anos sem o maestro soberano

O iluminado Tom Jobim
22 anos sem o maestro soberano


Jorge Sanglard(*)

A música foi o grande chamamento da vida de Antonio Carlos Jobim (25/1/1927 Rio de Janeiro - 8/12/1994 Nova York, EUA). Em 67 anos de vida, Tom Jobim conquistou tudo o que um músico na essência poderia sonhar. O respeito pela obra, o reconhecimento no Brasil e a consagração nos Estados Unidos e pelo mundo afora. Ao ajudar a forjar a Bossa Nova com canções que se tornaram Standards, Tom projetou a música popular brasileira de qualidade e abriu espaço para o ‘jazz-samba’ no fechado mercado norte-americano, seduzindo jazzistas como John Hendricks, Charlie Bird, Stan Getz, Ella Fitzgerald, Ron Carter, Joe Henderson, Herbie Hancock, Shirley Horn, entre muitos outros, além de gravar com o cantor Frank Sinatra.
Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Brasileiro até no nome. E, como Heitor Villa-Lobos, foi um autêntico embaixador da criatividade musical do Brasil. Com paixão e por prazer, Villa-Lobos e Tom Jobim revelaram ao mundo a inventividade musical brasileira e se transformaram em símbolos da melhor música criada do Brasil.
A profunda ligação entre os irmãos Tom e Helena Jobim foi o fio condutor da biografia do compositor, maestro, arranjador, pianista, cantor e mestre da Bossa Nova intitulada “Antonio Carlos Jobim – Um Homem Iluminado” (Nova Fronteira), lançado no final de 1996, há duas décadas, no restaurante Plataforma, no Rio de Janeiro, para marcar os dois anos da morte de Tom Jobim. Helena Isaura Brasileiro de Almeida Jobim (Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1931 - 13 de setembro de 2015, Belo Horizonte), encontrou forças após a morte do irmão em 1994 para vasculhar a memória e revelar a transformação que conduziu o companheiro de brincadeiras de infância a se tornar o maior músico brasileiro a partir da segunda metade do Século XX.
A cada página da biografia de Tom Jobim, escrita pela irmã Helena, fica a certeza de que sua vida era mesmo predestinada, como um preto velho de olhos clarividentes profetizara ao adolescente numa noite num bar de Ipanema. Em Minas, durante o lançamento da biografia, em 1996, a irmã escritora revelaria ainda que Tom sentia as forças da natureza e sabia que dentro da floresta ouviria temas inteiros de músicas. Tom Jobim sabia que os sons o procurariam.
Durante uma visita à fazenda mineira Paraíso, em Leopoldina, na Zona da Mata, aos 18 anos, Tom Jobim, depois de andar légua e meia penetrando na grande floresta, vendo o dia nascer lentamente, acreditou que tinha nascido e se criado para isso: tornar-se vulnerável no corpo e no espírito, ele inteiro apenas sensibilidade, sem medo desta fatal entrega. Era seu destino. Sua sentença. Não podia mais fugir. Chegou ao invisível portão da floresta. Mas antes de dar o primeiro passo para este reino, sentiu mais uma vez “o corajoso medo”, que mais tarde colocaria na letra de “Matita Perê”. É assim, denso, comovente e íntimo o relato da irmã Helena Jobim na biografia. Livro pra ser lido, relido e sentido sempre.

Um piano diferente e um baiano Bossa Nova

Em 1953, o piano diferente do autodidata Antonio Carlos Jobim já se destacava na noite carioca. Poucos anos depois, em 1958, o violão singular de João Gilberto se juntaria ao piano e aos arranjos de Tom para, juntos, reformularem a estrutura da música brasileira com a criação da Bossa Nova. O disco “Chega de Saudade” foi o abre-alas e, na contracapa, Tom elogiava João Gilberto: “Esse baiano Bossa Nova”.
Mas antes disso, o músico ainda trabalhou na Continental. Escrevendo música na partitura para os compositores que não sabiam colocar a melodia no papel. Essa, segundo a irmã Helena conta no livro, foi uma escola para Tom, que pode conhecer nos tempos da Continental compositores como Radamés Gnatalli (então o arranjador oficial da casa), Pixinguinha, Monsueto, Assis Valente, Ari Barroso, Jacob do Bandolim, Dorival Caymmi, Antonio Maria e muitos mais. Na Continental, Tom reencontrou Luiz Bonfá. Helena assegura na biografia que o irmão conhecera Bonfá como pescador anônimo nas pedras do Arpoador.
Entre muitas revelações, o livro trazia ainda o longo poema “Chapadão” escrito por Tom e que, segundo Helena, não deixava de ser seu auto-retrato: “(...) Quero a casa em lugar alto / Ventilado e soalheiro / quero da minha varanda / Contemplar o mundo inteiro / ... / Vou fazer a minha casa / No meio da confusão / Que o jereba se alevanta / No olhar do furacão / (...)”. Tom Jobim foi fascinado pelas palavras e obcecado pelas coisas do Rio de Janeiro e do Brasil. E lançou mão de todo esse sentimento e de todo o conhecimento e toda a identificação que tinha com a natureza para criar suas músicas.
Como irmã e amiga, Helena Jobim conviveu com Tom e essa trajetória compartilhada fez do livro “Antonio Carlos Jobim – Um Homem Iluminado” um relato emocionado e ao mesmo tempo afiado e afinado com a essência do grande compositor.

Um inusitado prefácio do amigo e parceiro Chico

O amigo e parceiro Chico Buarque de Holanda, um continuador da melhor tradição de compositores inspirados em Antonio Carlos Jobim, convidado para celebrar a memória de Tom no prefácio do livro de Helena Jobim, optou por vasculhar fitas gravadas domesticamente e transformou sua contribuição na biografia numa preciosidade: uma fita com registros inéditos, onde Tom e Chico, descontraídos, batem papo e o maestro, arranjador e compositor troca impressões musicais com o parceiro. E, o melhor, toca o piano e canta sem compromisso, mas esbanjando sensibilidade. A fita foi transformada em um CD, gravado pela Sony, e integrou o livro.
Helena Jobim também abriu os arquivos fotográficos da família e resgatou no livro fotos do irmão em inúmeras situações. Algumas inéditas, estas fotos revelavam a face iluminada do eterno Tom Jobim. A biografia ainda trazia depoimentos de amigos, familiares e músicos que compartilharam com Tom Jobim a vida e a música.
Tanto Tom quanto Helena tiveram no avô Azor Brasileiro de Almeida uma referência segura seja emocional seja criativa. Incentivador da leitura, o avô presenteou a neta com o primeiro dicionário e a primeira máquina de escrever. A sedução da palavra marcou definitivamente a trajetória dos irmãos Antonio Carlos Jobim e Helena Jobim. Em 1993, a escritora foi premiada com Destaque em Prosa, pelo conjunto de sua obra, pela União Brasileira de Escritores. Nessa biografia, de 1996, mostraria sua força narrativa ao revelar um pouco da alma musical de Antonio Carlos Jobim, cidadão brasileiro com um pé no mundo, mestre da Bossa Nova, essência musical do Brasil criativo.
E autor de clássicos como Wave (Vou te contar), Samba do avião, Amor em paz, Águas de março, Corcovado, Lígia, Luísa, Quebra-pedra (Stone Flower), Chega de saudade (c/ Vinícius de Moraes), Canção do amor demais (c/ Vinícius de Moraes), Garota de Ipanema (c/ Vinícius de Moraes), Ela é carioca (c/ Vinícius de Moraes), Insensatez (c/ Vinícius de Moraes), Eu sei que vou te amar (c/ Vinícius de Moraes), Se todos fossem iguais a você (c/ Vinícius de Moraes), O morro não tem vez (c/ Vinícius de Moraes), Só danço samba (c/ Vinícius de Moraes), Desafinado (c/ Newton Mendonça), Samba de Uma Nota Só (c/ Newton Mendonça), Dindi (c/ Aloysio de Oliveira), Inútil paisagem (c/ Aloysio de Oliveira), Anos dourados (c/ Chico Buarque), Eu te amo (c/ Chico Buarque), Retrato em branco e preto (c/ Chico Buarque), Matita perê (c/ Paulo César Pinheiro), para ficar só por aqui.
Ao celebrar os 20 anos da morte de Tom Jobim, em dezembro de 2014, foi inaugurada sua estátua em tamanho natural próximo ao Arpoador, na orla da praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, criada pela escultora Christina Motta. Baseada em uma antiga foto de Tom Jobim com o parceiro Vinicius de Moraes, a estátua de Tom foi um presente da Prefeitura à cidade do Rio de Janeiro e à memória do maestro soberano.
(*) Jorge Sanglard é Jornalista e pesquisador. Escreve em jornais no Brasil e em Portugal
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