31.1.12

Picolino da Portela: uma estrela que não se apaga no firmamento do samba feito em Madureira





"Quando no mar uma embarcação a navegar/deixa um coração a soluçar/por alguém que partiu pra não voltar..."

       

        Há alguns anos, na única vez em que estive em Madureira por causa da celebração do Dia Nacional do Samba, encontrei, por acaso, lá pelas tantas, em rua próxima a um dos lados da estação ferroviária, um dos responsáveis pela revivência dessa festa no bairro, Marquinhos de Oswaldo Cruz. Conversando com ele, destacamos a figura de um grande compositor portelense, que não é dos mais visados na animação das rodas ou em regravações: Claudemiro José Rodrigues, o Picolino (foto acima). Lembro-me até do Marquinhos indicando-me, não muito distante de onde estávamos, em gesto elevado e alongado de braço, a casa onde havia morado o compositor, que se aposentara do batente pelo Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis. Assim como "O Teu Passado Impede o Futuro", que gravou em elepê de capa acima reproduzida, outra pepita do samba em tom menor, "Lenços Brancos" (de versos iniciais em epígrafe), é obra maior da lavra de Picolino, muito bem cantada por sua grande intérprete, Eliana Pittman. Também na voz dessa cantora carioca faz a sua saudação a outros bambas em "Tô Chegando, Já Cheguei", ele que, em 1950, aos 20 anos, adentrou pela primeira vez, para ficar até a morte, o terreiro portelense, egresso, já compositor, do bloco Unidos da Tamarineira, de Oswaldo Cruz. Conhecendo na nova agremiação Candeia e Valdir 59, nela integraria com eles um setor famoso no desfile de carnaval, a Ala dos Impossíveis (a primeira a surgir com coreografia), que lhes possibilitou, em meados dos anos 50, no clube High Life, na Glória, apresentação com as orquestras de Severino Araújo e Cipó. Em 1957, saborearam, juntos, o prazer de ver a azul-e-branco atravessar a passarela levando no gogó o belo "lençol" (samba descritivo e longo) que fizeram para o enredo "Legados de D. João VI", gravado naquele mesmo ano pela Sinter em "A Vitoriosa Escola de Samba Portela", um pioneiro elepê da escola.
       Ainda com Candeia e mais Casquinha, Casemiro, Arlindo, Jorge do Violão e Davi do Pandeiro, formou, em princípios dos anos 60, o grupo Mensageiros do Samba, em momento político de revitalização do chamado samba de raiz, inspirado pelo Centro Popular de Cultura da UNE. Uma bolacha da Philips foi a única dessa experiência conjunta a girar no prato da vitrola de então, o que, infelizmente, não sucederia em outra formação, de 1966, o Trio ABC (foto acima), da mesma Portela, em que Picolino teve como parceiros de canto, composição e ritmo Noca (recém-chegado da Paraíso do Tuiuti e levado por Paulinho da Viola à nova escola) e Colombo (peixeiro, guarda portuário, cantor de gafieira, técnico em Comunicação - cursou o Centro Unificado Profissional, atual UniverCidade - e auditor fiscal do INSS). Se não chegou ao vinil, o trio teve acesso a programas de grande audiência da nossa tevê, como os de Chacrinha e Flávio Cavalcanti, além de ter realizado shows por todo o país. Em 1967, em festival de músicas de carnaval promovido pela Secretaria de Turismo da então Guanabara e pelo Museu da Imagem e do Som, presidido por Ricardo Cravo Albin, em associação com a TV Excelsior, Picolino, Noca e Colombo obtiveram, na final do Maracanãzinho, a quinta colocação com "Portela Querida" ("Minha Portela querida/és razão da minha própria vida..."). Um samba que ganharia projeção na mídia com a gravação, em compacto simples da Odeon, por sua intérprete no certame, Elza Soares, laureada com o troféu Carmen Miranda, entregue por Aurora Miranda. O coração da cidade, mais uma vez, deixava-se levar pelo rio de beleza musical da Portela, para o qual o afluente Picolino, com suas águas autorais, muito concorreu. Uma saudade que ficou a mais (como ele mesmo cantou em música de Erivaldo Santos e Valentim) e se fixou no firmamento do samba, tornando-se uma outra estrela de Madureira que não se apaga.        
        Um bom dia a todos. Muito grato pela atenção.

        Um abraço,

        Gerdal

Pós-escrito: a) dedico estas linhas à memória de Picolino e a Eliana Pittman, pela brilhante gravação de "Lenços Brancos", infelizmente não disponível no YouTube;
                   b) nos "links" seguintes, com exceção do último, músicas de Picolino: 1) "Lenços Brancos", com coro de pastoras, em gravação antiga, de 1962, do elepê "Samba no Chão", reunindo compositores da Portela e do Império Serrano; 2) "Tô Chegando, Já Cheguei" (em parceria com Caipira), na voz de Eliana Pittman; 3) "Secretário da Escola" (primeira parte de Picolino e segunda de Monarco), em gravação recente do paulistano Tuco e seu Batalhão de Sambistas; 4) "Foi Ela", de Candeia, faixa do disco gravado pelos Mensageiros do Samba.        
                            
        http://www.youtube.com/watch?v=7vLApkNVb8E
("Lenços Brancos")
     
        http://www.youtube.com/watch?v=PHlR5KLBZxE
("Tô Chegando, Já Cheguei")

        http://www.youtube.com/watch?v=SzfRH-HaY1I
("Secretário da Escola")

        http://www.youtube.com/watch?v=ZDMydQ8R6Lc&feature=related ("Foi Ela")

Nenhum comentário: