31.1.09

Conto da Tinê : Bora, Bia!


A moça diz que não quer mais saber dessa história de sair por aí sem lenço e sem documento e que o único sol inclemente é o de Mundaú durante o verão. Lá provocou tempestade de areia em olho de cavalo xucro até rolar duna embolada a um moreno cor de sapoti maduro de romper casca. Olhos de mel fitos em olhos de jabuticaba, vazava pelos cantolhos estonteante marinha que revelou sóis poentes sobre corpos porejantes, com sal se formando aos pés emparelhados entre murmúrios de aconchego.

Essa moça não tem freio na língua; conta à tia escandalizada que seu autorretrato perdeu o hífem enquanto visitava o Ceará, mas em troca ganhou um erre a mais quando o mancebo se apresentou: Ramifrancis.
Do gozo ao gongo, um aviso sonoro me desperta. Dormira sobre o teclado. Azul, só o das linhas na tela a correr atrás do morenão fugaz. Quero-o de volta! Ramito se evapora, bolhas de ar descem à mesa, leio trecho da mensagem que entrou: “... passamos a virada do ano em Pecém com a minha galera, depois fomos para...” Então fecho a página de luz antes de voltar à realidade, à dura realidade. Lembrei do pernambucano pele de jambo que caiu de amores por mim além das outras tantas – pois que fique ele em sua praia de Boa Viagem e faça bom proveito, já risquei-rasguei-queimei o seu retrato mango.
Quero o Ramito mundauense, ser dele a maria-mundaréu!
Ora, como voltar sem ter ido, se a moça e eu nunca fomos uma, ou serei uma em duas? Sereia, não sou, mas em Mundaú estarei: deixo o bling-bling eletrônico me enredar, deixo o ar dourado me cegar, de lá o eco traz a voz que me chama e os olhos por dentro do sonho dão corpo a quem me acena entre os coqueiros no solemar, “Bora, Bia, booooooo...”
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Tinê Soares – 06/01/2009

3 comentários:

Anônimo disse...

Eita, tá danado!
Bo, amiga!
M.R.L.

Anônimo disse...

V. andou lendo recenetemente o Guimarães? Está ótima a crônica, mas daquelas que a gente tem que ler duas vezes a mesma frase para entender. E me diverti bastante com isso. Bjão.

TS disse...

ED, não é crônica, é conto; tá tão hermético assim?
Lembre-se q vivo no mato; apreendo o sotaque de mineiros e nordestinos (Paraíba, terra da personagem, e Ceará, aonde tenho uns parentes, além de Pernambuco, lá vivem algs amigos).
Obrigada, beijocas da T.