23.10.08

Batman & Coringa: A dupla face de Janus


(Este artigo de Jacob Pinheiro Goldberg (*) foi publicado originalmente na Revista OAB-MG - 4ª Subseção - Set / Out 2008 e reproduzida no site www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=3595)

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o livro “Psicologia em curta-metragem” criei um enredo através do qual o cinema deita no divã e, por sua vez, o divã se projeta na tela. Este “mix” de sociodrama e psicodrama permite ao leitor (e a mim) a liberdade artística e de leitura que mergulha na subjetividade de observador e observado.

Batman – O cavaleiro das trevas” é um rico acervo para a discussão de como o poder midiático, encarnado em Hollywood, manobra, meio que a deriva, o psiquismo da sociedade e interpenetra na cultura, pretendendo ditar regras, leis, normas e condutas a um mundo que enxerga caótico e que se vê, de outro lado, preso na paranóia, gingando entre os perigos reais e o fantasmático, tudo em vertiginosas transformações, muito mais de formas do que conteúdos, do eterno dilema: o significado do Bem e o Mal, na vida efêmera.

Dito assim, classicamente, abrimos as cortinas e o espetáculo se inicia.

Psicólogo: - Boa tarde Cristopher Nolan!

Cristopher Nolan: Doutor não consigo dormir desde que sinto não ter caracterizado o êxito de Harvey Dent, com quem me identifico, eis que a tese central do meu filme é retirar a luta épica da fabulação e, no concreto, assegurar o código de valores no campo do possível e, romanticamente, com Rachel Dawes o casal emblemático. Gotham City, como você sabe, é a preliminar de Nova York, o microcosmo e a capital do mundo, portanto tudo acontece na instância cósmica. Aqui, nesta sala, devo lhe confessar meu ódio e desespero pelo Coringa, esta figura abjeta que não consigo trabalhar com isenção estética, mesmo porque, para mim, o anarquismo é a filosofia do Mal. Qualquer desordem me remete à perversidade e, por isto, precisa ser condenada, punida.

Psicólogo: – Mas Cristopher sua obra não admite ambivalência de interpretações, uma certa relativização de Ética?

Cristopher Nolan
: - Concessão, doutor, para seduzir a opinião pública.

Psicólogo: – Devo ouvir, agora, o Coringa.

Heath Ledger: – Minha morte é a “Piada Mortal”, de Alan Moore. Nela, o Coringa conseguiu a internalização maldita de Batman. Se pretendi, na minha vida e numa visão de trabalho, provocar uma reflexão sobre o idealismo da bandeira negra da anarquia, Kropotkin, Bakunine, acabei introjetando o senso de culpa desta civilização decadente e hipócrita em que polícia, justiça, as instituições são erguidas contra a liberdade pessoal, o desejo lúdico de inspirar a satisfação e o prazer. O pastor “cowboy” homossexual era a explosão da rigidez puritana em “O segredo de Brokeback Mountain”. Doutor, a heresia máxima democrática é o revelado, e este é tão complexo que Batman não pode domesticar.

Psicólogo: – Christian Bale ou Batman?

Batman: – Desde o início, deixei de lado o corpóreo. A vingança da morte dos meus pais tem uma definição e nitidez do heróico e o prosaico só pode perturbar, como, freqüentemente, acontece. O Coringa, por tudo isto e muito mais escrito na noite dos tempos, tem seu destino traçado. A reparação se faz pela morte, e com todas as nuances e sutilezas. É isto que importa, o resultado terminal, o triunfo do Bem.

Psicólogo: – Assim, com esta segurança inabalável?

Batman: – Simples, assim.

Psicólogo: – Ficaria melhor, ironicamente, no idioma do Império reducionista como o Google. Cinzento, Batman, não?

Batman: – Não doutor. Branco ou preto.

Neste dia, fechei o consultório com “mauvaise conscience”. Até onde ouví-los e permitir a catarse, até onde filmá-los, até onde emprestar som e fúria retira as algemas e abre as portas da Caverna?

Talvez, sonhar seja atravessar as águas em tumulto, com a vela acesa.

(*)Jacob Pinheiro Goldberg nasceu em Juiz de Fora e reside em São Paulo. É psicanalista, doutor em psicologia, advogado e escritor. Entre outros livros, publicados no Brasil e no exterior, se destacam “Psicologia em Curta-metragem”, “Psicologia da Agressividade” e “Magia Wignania”. E-mail: jacobpgoldberg@yahoo.com.br
(A ilustração acima foi produzida pelo blogueiro que vos fala especialmente para este artigo)

4 comentários:

ze disse...

Patati deu uma entrevista para o canal 4 dizendo que Ulisses seria Batman e Aquiles seria Super-homem : dialogando, chegamos a conclusão por várias razões, que estava certa a comparação. sub e supra consciente. o coringa é a carta que se transforma nos arcanos maiores e nos menores a que vale qq carta, do baralho. não há caos.

LIBERATI disse...

Caro Ze, curiosa comparação. Batman sempre me pareceu mais interessante do que SH, humano , sombrio, contraditório. Um herói em crise. Super-homem de fato tem com Aquiles aquele calcanhar vulnerável pela kriptonita. Ulisses para mim sempre pareceu um pirata, um monstro de força, determinação e que usa de astúcias para driblar as dificuldades. Só me encanta sua disposição diante das sereias. Ele quer ouvir o canto terrível delas. Vê-lo amarrado ao mastro (oops uma interpretação psicanalítica aqui seria indecorosa) enquanto as mulheres peixões cantam é um momento crucial que mostra sua procura pelo desconhecido, pelo encantamento, mas sem se submeter a ele. Submeter-se significaria morrer, enlouquecer. Ele não enloquece, mas dizima os pretendentes de sua mulher. Mulher que o espera e que repele os pretendentes. Por que a morte deles. Ele se traveste de mendigo para executar uma vingança, para ele justa. Um pirata cruel. Arquitetar o cavalo que derrotou Troia foi outra coisa fabulosa. Coringa no entanto, me parece o mais interessante personagem, melhor do que Batman. Como você disse múltiplo - cambiante porém fruto de uma loucura - face destruída pelo ácido. "Piada Mortal" é sem dúvida a melhor história dele - que mostra sua natureza. Hoje já não leio HQ, elas me aborrecem, prefiro literatura. Quando HQs procura trabalhar em cima de literatura elas me cansam. A redução que elas causam é um estrago - não sei se conseguem seduzir os jovens para amar a literatura. Pode ser que eu esteja errado, ou não.
grande abraço

ze disse...

Um parente da TS, Rafael Soares, junto com outras pessoas (um italiota incluso) em BH, editam atualmente a 'Graffiti, 76% HQ' - muito boa, em p&b , e cada história com um jeito formato de desenho diferente. "Veio para o quê era seu e os seus não o receberam" - frase de s.João Evangelista aplicável a IHS e a Ulisses - ninguém o reconhece quando chega em casa. Só o cachorro. Que morre em seguida. Felicidades.

LIBERATI disse...

Que o pessoal da Graffiti mande a revista para a gente mostrar - pode ser pelo e-mail do blogue.
Como você vê, o cão é o melhor amigo do Ulisses. Penélope se manteve fiel, tecendo e acontecendo nas festas enquanto seu marido disfarçado de mendigo armava a vingança.
um amplexo