11.9.08

Montanha Mágica, 40 anos esta noite.


Terminei de ler "A Montanha Mágica" . Estou sem fôlego...Argfff... talvez a subida tenha exigido muito de meus pulmões. Confesso que contive uma lágrima furtiva que ameaçou sair dos meus olhos. Levei 40 anos para ler este romance de Thomas Mann até o final. Quanta coisa aconteceu enquanto esse livro repousava num sebo do qual foi resgatado recentemente e que me desafiou a passar madrugadas em claro metido no meio de um bando de tuberculosos interessantíssimos que viviam praticamente isolados numa redoma no alto de uma elevação de Davos! (A tradução é do excelente Herbert Caro- o mesmo que foi amigo de Elias Canetti e que traduziu "Auto de Fé" que um dia mandou os originais deste romance para avaliação de Thomas Mann e não obteve resposta ).
Afirmo, que não foram as 800 páginas que me desviaram de sua leitura. Na verdade foi uma confusão entre desenho e texto. Explico: tudo começou quando eu era adolescente, com poucas espinhas na cara e tinha ganhado um exemplar do "Montanha Mágica" acho que editado pela Globo, que parece ter algum parentesco com a Globo atual. No início acho que era uma empresa gaúcha,uma livraria fundada por Laudelino Pinheiro Barcellos e onde trabalhou Érico Veríssmo, quando jovem, se não me engano.
Muito bem, estava eu nas primeiras páginas deste romance quando veio parar nas minhas fuças um livro de desenhos Carybé . Todo ele sobre a Bahia, uma beleza! Nesta época eu vivia apaixonado pela Bahia. A Bahia acontecia com os romances de Jorge Amado,a música de Caetano Veloso, Gil, a voz Gal,os filmes Glauber Rocha...só dava Bahia. Eu queria ser baiano. No Abaeté tem uma lagoa escura....
O referido livro de Carybé era de uma amiga minha. Quando o vi, fiquei maluco e imediatamente pedi emprestado. Acabei ficando com ele, ou melhor, ele ficou comigo, se apoderou da minha mente, fez com que eu desenhasse mais nos papéis de embrulhar pão, nas costas dos calendários, nos cadernos escolares... Num imbroglio posterior emprestei o tal do "Montanha Mágica" para ela, ou para uma parenta dela . Nessa altura do campeonato eu já tinha deixado a obra do autor de "Morte em Veneza" de lado , sem ler, é claro...Por fim, o livro virou uma espécie de "pagamento" do outro ( o de Carybé) que ficou comigo por muito tempo e se perdeu na poeira das traças que insistem em devorar minha biblioteca sebosa. Nesse interim , fui à Bahia, me encantei com umas coisas, me desencantei com outras,tô marcando um encontro com os Orixás para tirar umas dúvidas, mas isso eu conto numa outra ocasião. Ou já contei?
Fico a imaginar hoje um garoto de 16 anos diante da "Montanha Mágica". Qual seria sua reação? Ao lado dele uma TV, no quarto um computador ligado na banda larga...os amigos chamando para assistir ao FlaFlu, a namorada querendo ir para a night... Vivemos na época da velocidade. Pode-se dizer que o mundo mudou mais uma vez radicalmente. (Quantas mudanças já teve esse mundo!) Outro dia um amigo meu me disse que enquanto assistia "Outubro" e "O Encouraçado Potemkin" de Eisenstein, teve a sensação de que "aquilo" que rolava na telinha parecia pertencer não a uma outra era, mas a um outro planeta, tal a distância e as transformações que o mundo tinha sofrido.
Mas voltemos à "Montanha Mágica". Este livro magnífico, antes de mais nada, fala do tempo. É uma imensa reflexão sobre o tempo e seus mistérios. Mas também fala de um mundo que vai morrer (digo enquanto ele escreve este livro, o mundo a que ele se refere já está morto e sepultado), trata-se do mundo anterior à primeira Grande Guerra Mundial. Um mundo de costumes, modos de ser , agir e pensar que vão virar poeira com o fim simbólico do século XIX, que para Hobsbawn termina em 1914 que inaugura o sangrento século XX. (É mais ou menos isto que ele fala em "A era dos extremos". O curioso é que Hobsbawn é testemunha dessa passagem. Contou uma história que ele viu...sentiu na pele.
Ao contar a história de Hans Castorp, Thomas Mann narra mais do que qualquer outra coisa, a aventura de seu espírito nas montanhas de Davos, enquanto seu corpo padece no sanatório Berghof e sofre um tratamento que dura anos...Mann, portanto, nos adverte que a história desse jovem está inscrita em fatos que se passaram há muitos anos. "Estão, por assim dizer, recobertos pela pátina do tempo, e em absoluto não podem ser narrados senão na forma de um remoto passado."
(Voltarei a este assunto em breve. Vamos e venhamos, não dá para falar de "A Montanha Mágica" em poucas linhas! Sei que estou devendo uma pensata que comecei sobre Antonioni , uma outra mais antiga sobre a "cabeçada de Zidane" e uma dívida que tenho comigo mesmo que é escrever algo sobre "Auto de Fé" de Elias Canetti ..vamos com calma, enquanto durar a esperança escreverei sobre tudo isto e quem sabe, sobre um outro mundo, afinal estou no meio da leitura de "Dead Zone" de Stephen King, o mágico de "O Iluminado", "Carrie, (a estranha)" , "Misery"(que virou filme com o título que por aqui virou "Louca Obsessão" com Kathy Bates e James Caan) e outras grandes obras . Ele é pop mas tem pegada literária. Temos que admitir.)

7 comentários:

Anônimo disse...

Ainda bem que vc não está lendo Proust. Já imaginou se comprometer a escrever um texto sobre o "em busca do tempo perdido"? Tinha um amigo meu que ganhou o proust de presente de aniversário e guardou na estante pra quando se aposentasse. Não sei se ele já se aposentou e por isso naõ sei se ele já leu o livro...(alias os livros porque, se bem me lembro eram densos 5 volumes).Hoje o tempo perdido seria uma perda de tempo.

Anônimo disse...

Lembrei que hoje é 11 de setembro. Fatídico dia do assassinato do Allende.35 anos. Ninguém mais lembra. As torres gêmeas roubaram a cena. Até na tragédia esses americanos dominam.

LIBERATI disse...

Querida Rosa, um cara disse uma vez que para ler todo Proust é preciso quebrar as duas pernas. E dizer que tudo começou com mero "biscoito fino"!
Atendendo ao seu comentário sobre o 11 de setembro chileno, botei no ar um escrito antigo sobre um documentário importantíssimo.
bjs

Claudio Cordovil disse...

Que inveja eu tenho do Liberati. Eu também estou com meu Montanha Mágica há anos na estante. Mas ainda não tive coragem de confrontá-lo. Sim porque no caso não é leitura, mas sim confrontação. Misto de reverência e temor, aguardamos um melhor momento ontológico de nossas vidas para começar a lê-lo. Um tempo fictício, onde nos teremos desobrigado de tudo que não interessa, para ir ao que interessa: a sua leitura. Para mim este momento não chegou. Mas vai chegar. Parabéns pelo post, Liberati!

LIBERATI disse...

Querido amigo Cordovil, você tem razão, existem livros que nos desafiam. Ficam lá na estante soberbos a dizer : - Você não tem coragem de me enfrentar. "A Montanha Mágica" é um destes fenômenos literários que precisam de um certo equipamento para a escalada. Um tempo certo para ser enfrentada. Catedrais de letras, Thomas Mann construiu algumas. Guimarães Rosa fez outra, James Joyce, Canetti. Mas não desista, enfrente o ar glacial de Davos Platz , é parada dura, discussões bizantinas, mas muito humor e principalmente uma grande reflexão sobre o tempo e a liberdade. Onde o humano se torna melhor. Fico muito honrado com sua visita. Volte sempre,
grande abraço

ze disse...

acho que no Br. todos são baianos, querendo ou não - afinal a capital foi Salvador até 1777. acho tb que a música do 'de Mores' 'tarde em Itapuã' resume bem o espírito.

LIBERATI disse...

A Bahia tem uma coisa interessantíssima que é o orgulho. Há um orgulho de ser baiano, um canto geral sobre como a Bahia é boa, as coisas da Bahia são geniais. Depois deizem que baiano não nasce, estréia.
Mas fora de brincadeira, a Bahia construiu uma cultura, e continua construindo, com os Oloduns, os filhos de Gandhi, com o Carlinhos Brown que é uma coisa admirável. Os baianos, os velhos e os novos sairam de lá para conquistar o Brasil. A única coisa que não gosto da Bahia é esse negócio de musica de Axé, esse sacode poeira desses grupos que tem uma band leader e um monte de gente sacudindo o esqueleto com aquela perscussão de carnaval de trio elétrico. Gosto da música de carnaval na época do carnaval...mas fora disso, enche os pacovás.
grande abraço