15.8.08

A cigarra e a Formiga , quem diria?


Esopo e Jean de la Fontaine vão se revirar nos seus túmulos, mas não consegui fugir de uma idéia de jerico que brotou na minha idéia: adaptar , para os tempos de hoje, com minhas mal traçadas linhas, uma fábula que é atribuida a um e foi recontada por outro...Seria mais ou menos assim...
...Era uma vez uma Cigarra e uma Formiga que eram vizinhas. Não se pode falar que fossem amigas, eram apenas conhecidas. As duas se situavam na classe C, que neste momento se encontra numa boa, mas nem sempre foi assim e não vem ao caso recordar suas agruras.
No último verão, enquanto a Cigarra se esbaldava cantando nas árvores, a formiguinha tabalhava como uma louca. Carregava para seu lar, desde enormes folhas, restos de comida, insetos, frutinhas, sementes ... enfim abastecia de provisões sua despensa de tudo que fosse comestível. Pensava no inverno rigoroso, no tempo chuvoso que tudo arrastaria e dificultaria a tarefa de obter alimentos.
Dna. Formiga, sempre que encontrava sua vizinha cantora avisava: - Olha lá, senhora Cigarra, o inverno vem aí, tome alguma medida para ter o que comer quando o tempo ficar ruim.
A Cigarra respondia: Eu não estou nem aí. É ruim, hein!
De fato, a Cigarra nem pensava nisso, ia dormir quando o dia estava nascendo e mesmo assim, dava uma canja antes de apagar, para acordar somente no final da tarde e encher o ar com seu canto inconfundível. Comia o que pintava, bebia muito, fumava e prativa sexo todos as noites.
Um dia, sem avisar, veio o inverno. A formiguinha toda contente se trancou na sua casinha, acendeu a lareira, preparou um "fundue" , tomou um chocolate quente com conhaque e comeu uma asa de mosca crocante. Lá fora, no frio e na chuva a cigarra se escondeu sob uma marquise tremendo toda. Lembrou do aviso da sua conhecida Dona Formiga e lamentou: -Pois é , eu devia ter seguido os conselhos daquela "workaholic", mas não vou chorar sobre o leite derramado, mesmo porque não tenho nem leite derramado para chorar. Daí lhe ocorreu uma idéia: - Vou dar uma chegada na casa da formiguinha e ver se faço uma boquinha.
Bateu, bateu na porta e nada de Dona Formiga responder. Lá fora o frio cresceu como um monstro gelado fazendo tudo ficar duro.- Quem sabe endureceu também o coração da formiguinha.Pensou Dona Cigarra. E ainda mais vieram os grossos pingos de chuva que molhavam a pobre cantora e adensavam uma enchente que ameaçava afogar aquela voz tão poderosa em tempos de sol. De repente eis que a porta se abre um pouquinho, era Dona Formiga que ao ver a senhora Cigarra toda molhada disse : - Sujou! E nisso se trancou de novo. Lá de dentro a cigarra ouviu uma cantiga que não gostou: - Eu não falei para se preparar para os tempos ruins, agora se dane!
A cigarra ficou p... da vida, e não adiantou suas súplicas que ia se emendar, que no próximo verão iria trabalhar duro, acumular provisões, oscambáus. Disse ainda que a profissão de cantora era uma coisa nobre também, só que muito instável, que dependia de empresários, e ela era uma amadora, cantava porque amava a música. Não pensava nela própria, mas nos ouvintes que adoravam seu canto e mais do que isso, aquilo que ele anunciava: um tempo bom. Nada disso deu certo, a formiga não abriu a porta, e sem muitas esperanças, a cigarra tratou de arranjar um esconderijo para passar a noite, antes que pegasse uma pneumonia galopante. Foi aí que se lembrou de um amigo, um grilo falante muito esperto que tinha feito uma ponta no filme do Pinóquio. Pegou o celular, gastou seus últimos créditos e conseguiu que o malandro agendasse a sua aparição num desses programas de TV em que celebridades que estão procurando um lugar ao sol no submundo pop costumam pontificar. Foi lá , deu uma entrevista lacrimosa em que confessou seu gosto por cantar e viver numa boa - modo de vida que a levou àquela situação de penúria. Como ela era cheinha de corpo e não era de jogar fora, recebeu no ar , convites para fazer ensaios sensuais, filmes pornô etc. Escolheu, escolheu, e no fim topou um ensaio sensual tímido para uma revista de empresários onanistas. Logo em seguida pintou um ensaio mais pesado, pra galera. Finalmente fez um filme pornô artítico, mais de acordo com sua formação estética. Não vamos entrar em detalhes. Só importa saber que se deu bem, o filme bateu o recorde de vendas, e ela quase ganhou o Oscar do "porno movie". Fez também um bom pé de meia; com a grana, comprou um apê na Barra e uma baita geladeira cheia de comida e bebida. Hoje vive dando entrevistas, entre outras coisas, e num dia desses foi vista pela sua ex-vizinha na TV contando muitíssimas novidades: anunciou a nova produção em que estava envolvida- um filme erótico, só que agora com roteiro, coisa chique. Falou mais, que ia desfilar na Sapucaí, que tinha sido convidada para um camarote especial na avenida, que estava cantando numa boite da moda, onde além do bel canto fazia strip no "queijo Camembert" , que ia lançar um CD de funk, que estava trocando de namorado, pois o antigo tinha ficado surdo de ela tanto cantar no ouvido dele, que tinha turbinado os seios com silicone e outras maravilhas da vida de emergente. Foi aí que Dna. Formiga morreu de raiva literalmente e virou comida de uma outra formiguinha que guardava provisões para o próximo inverno.
A moral da história nem precisa ser dita - pois não há.
Definitivamente as fábulas não poderão ser como antigamente.

10 comentários:

TS disse...

Por que no título a cigarra está em letra minúscula e a Formiga, em maiúscula?

Assinale a resposta certa:

a) seu subconsciente dá mais valor à formiga porque vc foi condicionado para isto desde pequenino;

b) seu consciente quis enfatizar a tradição da fábula para melhor subverter o final em sinal de rebeldia;

c) seu inconsciente mostra que, no fundo, no fundo, vc se identifica c/ uma (C ou F) mas deseja ardentemente ser a outra (F ou C);

d) se o corpo têm uma "memória" para pequenos gestos repetitivos, seu dedo escorregou ao digitar nas teclas - o que prova que "toda ação pode virar arte";

e) vc anda lendo muita fofoca e se inspirou em alguma apresentadora de TV (em campo, no chuveiro ou no banco de reserva).

LIBERATI disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
LIBERATI disse...

Nenhuma das anteriores, querida Tinê.
É que eu "postei"(detesto esta expressão) correndo para poder ver o começo do Dr. House na TV Record. Se você não pega o começo, babáu, corre o risco de não entender o resto da história. House é sensacional, o melhor seriado médico. Gosto também dos CSI - Miami e Las Vegas. Tudo grátis na TV aberta. Não pago canais a cabo, nem tenho TV(HD) de Alta Definição para ver porcarias e olhe que eu assisto qualquer bobagem que pintar na telinha. Para não invalidar seu comentário muito bacana eu vou manter o título digitado erradamente ( com cigarra começando com letra minúscula e Forminga com letra maiúscula na pressa de ver Dr. House, afinal este é um blogue anacrônico por indefinição).
Sempre achei uma sacanagem a Cigarra morrer de frio no final, coitada, só porque canta o verão todo. E a formiguinha trabalhadeira que depois do estrago que o neoliberalismo e a globalização fizeram com a CLT . Esse sistema instituiu o trabalho temporário e o desemprego permanente, não têm mais sentido histórias morais sobre o mundo do trabalho. O trabalho é obsoleto no sistema atual. Ganha dinheiro o capital monopolista e quem domina especula no mundo financeiro. O mundo é dos Bancos.O mundo virou um Cassino.
Bjs

TS disse...

Óia, comentário excluído é ato falho! (hehehe)

A Formiga é neurótica.
A cigarra é idealista.

Sabe como contratam gente nova? Por 3 meses, despedem e re-contratam por mais 3 meses, despedem, 3 meses depois, chamam de volta...

Adoro Criminal Minds e todos os CSI's, inclusive o NCIS (dos mariners), mistura polícia, médicos, cientistas, hackers, milicos, advogados, analistas de sistema... nerds em todas as áreas.

Obrigada pela "corrida" p/ responder e bom domingo.

LIBERATI disse...

Bom Domingo procê também Tinê, com muitas fotos e cantar de cigarras, embora não seja verão. As formiguinhas andam roubando açúcar aqui de casa. O trabalho delas é coletivo o que invalida a moral individualista da crônica "original"e da atual lenda do trabalho como valor. A tendência do trabalho é não ser mais coletivo no sentido material. Destrói se radicalmente o espaço de sociabilidade do trabalhador que era o chamado chão da fábrica. A informática infelizmente num certo sentido fez do trabalho algo não socializado no sentido de unir gente trabalhando no mesmo espaço. Os espaços são outros, globalizados, ciberespaços, séries feitas em diferentes lugares , por homens diferentes, crianças inclusive. Fim da sociedade como organização social. Sociedade hoje é dos indivíduos cada vez mais isolados. Desemprego permanente, massas marginalizadas que não se opõe às políticas neoliberais porque não mais se encontram em lugar nenhum. Não existe mais a vigilância e punição como métodos únicos - não é necessária mais a repressão - usa-se a mídia, a TV e os computadores para divertir os desempregados. Tornam-se dóceis e iludidos pela ideologia que está imbutida nesses objetos e o pior "o estado de coisas" que é histórico e transitório passa a ser "visto" como natural (no sentido de que sempre existiu e sempre existirá). As máquinas modernas persuadem o indivíduo são portadoras de idologia ventriloqua- mostram modos de vida e objetos que falam coisas e fazem sua cabeça.
bjs
bjs

TS disse...

Uau, mandou ver! bj. bj. bj.

ze disse...

Nooossa! a cigarra dança no inverno depois de cantar no verão, seg. Esopo (budista). assim ela fica aquecida. certa vez um violinista em concerto quebra uma corda, ela se rompe : eis que uma cigarra toma o lugar da corda quebrada, até acabar àpresentação. Outra cigarra acordava s. Francisco que falava com os bichos. santa cigarra. nascem da terra como se esta fosse sua mãe. O sul não é o norte. No sul não há inverno e chove mais. Logo precisa-se trabalhar menos. Daí chamarem os índios de preguiçosos. Já dizia Clastres. Viva a TV aberta! O trabalho que gera dinheiro (e vice-versa) não é trabalho. É vazio e ilusão. Felicidades.

LIBERATI disse...

Caro Zé, soube de orelhada que a cigarra na verdade não canta. Ela vibra e esta vibração é que faz aquele ruído característico dela que anuncia o verão.
Mas não tenho certeza se é vero.
Grande abraço

ze disse...

que nem cascavel que chacoalha a pele velha (posto que com a nova está) no rabo e faz som. felicidades. as máquinas giram o capital todo e o ser humano que se vire.

LIBERATI disse...

Ainda não é possível o Andróide como trabalhador feito em laboratório. Trabalhador por preço barato aqui se encontra com fartura. O Capital não está ligando para as grandes massas marginalizadas. Os sujeitos monetários sem dinheiro do antigo exército de reserva de mão de obra.
Desemprego crônico, violência, drogas e tecnologia de diversão é tudo que se vê neste cenário de começo de século. Uma reforma urgente desse sistema é necessária, mas quem detém as rédeas do sistema?