20.3.08

A voz de Tânia Bicalho canta as Mãos Brasileiras


(Este artigo sobre o terceiro disco independente da cantora mineira escrito por Jorge Sanglard(*) foi publicado no Jornal O Primeiro de Janeiro na parte que trata deCultura & Espetáculos na cidade do Porto – Portugal em 17/03/2008)
Autor de duas canções integrantes do CD «Mãos Brasileiras», terceiro disco independente da cantora mineira Tânia Bicalho, o compositor Luizinho Lopes sintetiza o sentimento de quem ouve esta nova voz que surge na Música Popular Brasileira: “Quando Tânia Bicalho solta a voz, cantar parece fácil. Todas as palavras se amoldam na melodia como se fossem estrelas expostas num céu de noite límpida. Nada soa demais naquela imensidão”.
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Tânia é tudo isso e algo mais. Além de uma intérprete vigorosa, se afirma como compositora e instrumentista. Há algum tempo, a cantora queria trabalhar mais intensamente com Sergio Natureza. Quando o conheceu, em 2002, participando do projeto Novo Canto, no Rio de Janeiro, percebeu que encontrara não só um parceiro de trabalho, mas também um grande amigo. Foi exatamente isso o que aconteceu. Tânia confessa: “Sergio mudou minha história”. Convidado para produzir «Mãos Brasileiras», Sergio Natureza não só aceitou como apresentou Jaime Alem à cantora. E Jaime assina a direção musical do CD, além de tocar violões, guitarras, viola de 12 cordas, viola caipira, gaita e cavacolêle.
Sergio Natureza confirma: “A voz de Tânia Bicalho me bateu forte logo na primeira audição. Na época, eu dirigia artisticamente o projeto Novo Canto – que lançou vários atuais grandes valores – e ouvia, sistematicamente, discos. Alguns me chamavam a atenção, mas quando coloquei o CD «Violazz», o primeiro disco da Tânia, eu senti que estava diante de uma personalidade artística ímpar, um super-talento. Pouco depois, ela se apresentou ao vivo no projeto e confirmou minha primeira impressão: carismática, super-profissional, intérprete poderosa, inspirada compositora (de quem, mais tarde, vim a me tornar parceiro), desses raros talentos que, quando acontecem, chegam como estrela de brilho maior no ‘céu de criação’, na feliz expressão de Gilberto Gil”.
E Sergio Natureza vai mais longe: “Multi-instrumentista, com um senso musical privilegiado, artista em plena ascensão, Tânia Bicalho já é bem mais do que uma grata surpresa, do que uma promessa. Trata-se, para mim, de uma personalidade da MPB”. O CD «Mãos brasileiras» fecha uma trilogia fonográfica da artista e espelha sua maturidade. O produtor ainda destaca: “Fico feliz por ter produzido este trabalho tão honesto, digno, belo, que mostra bem, em apenas 10 faixas, os múltiplos talentos de Tânia Bicalho. Que possa ser a chave para abrir, em definitivo, as portas do prestígio – sucesso que tanto ela faz por merecer”.
Segundo o diretor musical Jaime Alem, Tânia tem um grande domínio da voz no meio de tantas cantoras por esse Brasil de vozes femininas: “Ela canta, toca, compõe, faz arranjos e neste disco resolveu que não faria tudo sozinha. Foi fácil gravar e, o principal, se deixou levar, aceitou ser dirigida. Ao desafio de não estar no comando ela respondeu com interpretações emocionadas”.
Os músicos escolhidos para as gravações, habituais mosqueteiros de Jaime Alem, João Carlos Coutinho (piano), Rômulo Gomes (contrabaixo), Reginaldo Vargas (percussão) e Carlos Balla (bateria), foram unânimes em aplaudir o talento da cantora. O disco ainda teve a participação do violoncelista Marcio Malard e de Flávio Guimarães na harmônica de boca. E Tânia Bicalho tocou violão, piano, escaleta e djembê na faixa “Ar de São Tomé”, uma parceria com Lucina. Para o diretor musical, “o mais difícil foi decidir que linha adotar, já que a cantora tem muitos parceiros e compõe de maneira diversificada”. E, justamente, aí reside o maior trunfo de «Mãos Brasileiras», a sabedoria em articular, na diversidade criativa dos seus parceiros e dos compositores escolhidos para integrarem o CD, uma unidade construída com a força de sua voz e o equilíbrio dos arranjos.
Jaime Alem dá o pulo do gato: “Acho que conseguimos um equilíbrio de repertório, mesclando um pouco de pop com a MPB mais sofisticada. Acredito que essa mistura é uma tendência na música brasileira e o importante é fazer bem, e a Tânia conseguiu com louvores”. Ainda na opinião do diretor musical, “o resultado é um trabalho consistente e, ao término de cada audição, eu me convenço que vai alçar vôos altos”.
De Luizinho Lopes, Tânia Bicalho gravou duas músicas “Areia” e “Corpo de incêndios” e confessa: “De cara me apaixonei por ‘Areia’. E, ‘Corpo de incêndios’, eu quis regravar porque adoro pronunciar, degustar cada palavra dela. A partir do arranjo que fiz para esta música, registrado no CD «Violazz», Jaime deu uma incrementada com percussões, outros instrumentos de corda e um delicioso violão flamenco, que ele mesmo tocou”. Sobre a primeira, o próprio compositor enfatiza: “Quando ouvi ‘Areia’, percebi que Tânia escavou mais fundo do que eu. Da memória, puxou meu pai, para quem eu havia composto a canção, com uma força maior que a minha. Senti, naquele instante, que compor é como desenhar o mapa da mina. Naquele instante, Tânia Bicalho estava revolvendo ouro na ‘Areia’”.
A parceira, em “Espelhos”, Luhli, afirma: “Tânia Bicalho é uma artista completa. Fui gravar um disco no mesmo estúdio que ela gravou «Violazz» e o técnico me deu um CD dela. Simples assim. Me apaixonei pela sonoridade do disco, pela viola caipira usada como instrumento internacional, pelos arranjos personalíssimos, pelo quilate das canções, pela mineirice densa, pelo lirismo inteligente, e pela voz, que voz!”. Daí à amizade também foi simples, uma amiga em comum fez a ponte e começaram a se corresponder por e-mails. Segundo Luhli, “nosso primeiro encontro, em carne e osso, foi uma tarde inteira numa só cantoria feliz. Viramos fãs uma da outra. Em pouco tempo, acumulamos umas 10 parcerias, e firmou-se uma bela amizade. Mas o que mais admiro no talento de Tânia Bicalho é ela ser assim, multifacetada. Toca teclados, cordas e ritmos. Compõe e faz os arranjos para suas canções. E canta como poucas cantoras sabem cantar. Além de seu timbre único, sabe usar a técnica, a afinação e a dicção perfeitas, para tornar mais inteira sua interpretação, que vai da intensidade à delicadeza, que passeia dos blues aos sambas, e em tudo sabe dar o ritmo, o peso, a medida certa”. E Luhli faz questão de enfatizar: “Tânia Bicalho tem a teimosia dos iluminados e só canta o que acredita”.
O CD abre com “Roda Morta”, um poema-letra que Sergio Natureza escreveu e o saudoso Sergio Sampaio (1947 – 1994) colocou melodia. Tânia escolheu esta música por achá-la forte: “Adoro quem assume o que diz, sente, faz, por pior que seja, por pior que possa parecer”. Sendo assim, é ótimo cantar: “O triste em tudo isso é que eu sei disso / eu vivo disso e além disso... / eu quero sempre mais e mais”. Esta é a terceira gravação registrada: a primeira, gravada no início dos anos 90, só foi lançada em 2006, na voz do próprio Sampaio, no CD «Cruel», editado pelo selo Saravá, do Zeca Baleiro, a segunda com o Zeca para o CD «Um pouco de mim», lançado em 2005, do próprio Sergio Natureza, e agora esta versão instigante de Tânia Bicalho.
A canção “Perguntas no ar” também traz uma letra de Sergio Natureza, que Tânia musicou “lindamente, traduzindo com extrema sensibilidade o que pensei exprimir – indagações existenciais comuns a todos”, assegura o parceiro. E uma terceira canção de Sergio Natureza, no CD, “Eternamente”, é uma parceria com Tunai e Liliane, originalmente lançada pela Gal Costa no disco «Baby Gal» (1984) e posteriormente gravada por Fafá de Belém, em português e espanhol. Além disso, foi tema de novela e seriado na TV Globo e ganhou duas belas gravações de Tânia Bicalho: a primeira, forte e bela para o CD «Um pouco de mim», de Sergio Natureza, e agora a emocionante versão de Tânia para este seu terceiro CD «Mãos brasileiras». O compositor ressalta que as duas versões na voz da Tânia são em ritmo de blues, como foi originalmente composta a canção.
“Água” é de Paulinho Andrade e Oscar Neves, dois compositores de Belo Horizonte. A cantora assegura ter gostado muito dessa música e quis gravá-la para incentivar conversas sobre o tema da preservação da água, principalmente, em função do momento em que nosso planeta vive.
A música “Mais canção do que adeus” foi mostrada por Jaime Alem pouco antes das gravações começarem e, segundo a cantora: “Já na primeira audição adorei e quis gravá-la. Tudo a ver comigo. Procuro muito, através de minha música, ‘levantar a bola’. É literalmente isso: ‘quero muito mais os tons de azul do céu do que os breus / quero muito mais a luz / quero muito mais canção do que adeus’”.
E o samba “Mãos brasileiras”, da própria Tânia Bicalho, acabou por se tornar título do disco e é um passeio musical por tudo que é feito ou desfeito pelas mãos de todos. Segundo a cantora: “Foi ótimo poder contar (e cantar!) com estas mãos talentosas! Mãos brasileiras!”.
O CD, com produção executiva de Iracema Abranches, tem o selo da Funalfa Edições e foi gravado com recursos provenientes da Lei Municipal Murilo Mendes de Incentivo Cultural. E pode ser encontrado no site: www.taniabicalho.com
*Jorge Sanglard é jornalista, pesquisador e organizador da antologia «Poesia em Movimento»

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