11.3.08

Crônica - Filmes Cabeça


(Enquanto eu quebro pedra, com muito prazer, aqui na minha prancheta,sob um sol de derreter catedrais, como disse o saudoso Nelson Rodrigues, vocês (espero) vão se divertindo com umas crônicas que publiquei em priscas eras. Esta é uma das que gosto mais)
Um homem numa cama com uma mulher. Só aparecem detalhes: o peito dele contra os seios dela; as nádegas dela, de perfil, enquanto cavalga o rapaz. A câmera sobe lentamente para o lustre que acende no
momento do orgasmo dela. Fecha num close em seu rosto contraído. Corta para os dois adormecidos e cobertos por um lençol de cetim . O homem abre os olhos e estica a mão para uma pasta, de onde retira um facão de caçador. Na cena seguinte, ele entra num elevador com a cabeça da mulher debaixo do braço envolta num saco plástico. Este é o típico filme americano de serial-killer.

Se o mesmo ator entrasse com sua própria cabeça debaixo do braço, seria um filme de Buñuel e Salvador Dalí. Agora, se um casal entrar num elevador , perder a cabeça, no meio do caminho apertar o botão de
emergência para travar a geringonça e inciar um caloroso ato sexual na frente da câmera de vigilância, o filme é brasileiro. O pacote incluirá um corte para a sala de controle dos vídeos do edifício, onde
porteiros e seguranças se deleitam em frente a vários monitores. Não se impressione com as exclamações cabeludas que eles emitem.

Se fosse um travesti que entrasse no elevador com a cabeça de um homem e explicasse para o ascensorista que se trata do amante de sua mãe, que, na verdade, é seu pai, um toureiro “drag queen” que se apaixonou
por um enfermeiro morfinômano, então é um filme de Almodóvar. Só falta escolher uma trilha sonora com Bola de Nieve, cenários misturando roxo-batata, tons de vermelho e rosa-choque.

No caso de o homem entrar no elevador, cortar a cabeça do ascensorista e depois recitar umas frases de Hamlet, o filme será do pessoal do Dogma. Todos que estiverem no elevador agirão normalmente, como se nada tivesse acontecido. E não vai ter nenhuma musiquinha de fundo.

Se o homem, antes de entrar no elevador sem nenhuma cabeça debaixo do braço, ficar contando em detalhes para uma mulher entediada, num café, fumando muito, o seu desejo de um dia entrar com a cabeça dela num elevador, então, é um filme francês, provavelmente do Godard.

Mas, existe a possibilidade dele não entrar no elevador, e nem falar na tal cabeça, que poderia um dia carregar debaixo do braço. No lugar disso, discorreria sobre a sua dor de cabeça. Falaria da angústia, das amarras que a vida cria para manter um crânio grudado num corpo que não o quer ali. Então, é um filme sueco à la Bergman.

Para dizer a verdade, não sei como terminar essa crônica, nem onde estava com a cabeça quando comecei a escrevê-la.

7 comentários:

ze disse...

Liberati, esta crônica é o máximo! Dá para ler muitas vezes. O crânio debaixo do braço ...

Anônimo disse...

adoro essa, papai!
muita saudade, vou te ligar mais tarde.
beijobeijobeijo
jujú

LIBERATI disse...

Valeu Zé, eu curto muito esta crônica, precisava botar um japa pra ficar redonda. Preciso pensar um pouco com a minha cabeça, enquanto a tenho.
Grande abraço

LIBERATI disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
LIBERATI disse...

Ju, meu amorzinho, que bom você dar o ar da sua graça, muitas saudades, eu tambem curto demais esta croniqueta.Preciso escrever mais, mas agora tenho muito trabalho na prancheta.
Abração do Rafs, falei com a mãe dele hoje.
Bjcas

ze disse...

um filme japonês, um filme iraniano, um filme hindu, um filme chinês, um filme filipino, ... o corpo age sozinho e a cabeça vai a reboque: cabeça debaixo do braço.

LIBERATI disse...

Valeu pela lembrança, Zé, muitas nacionalidades, muitos filmes, a gente se perde , vou ampliar a crônica um dia desses.
Abração