15.3.08

Crônica da Tinê - Diário de uma Xereta Rural


Não sei assobiar. Sentei na pedra para ensaiar. Fiquei aos bicos. Soprava baixo com medo de me verem naquele exercício ridículo. Paranoia não tem mais acento, pensei, mas continua em paranóide, adenóide, debilóide. Fiuuuuu... saiu tímido. Nunca foi o meu forte me fazer entender pelos outros, que ao menos com estes emplumados de bico eu tenha sorte.

Vou à segunda etapa. Um tanto avoada, observo. Remexo idéias por dentro.Todo passarinho acorda bem-disposto. Queria ser assim. Quando consigo madrugar chego à janela para ver os voos curtos e assanhados. As aves cantam, catam piolho, tomam banho frio e vão caçar. Cochilam ao meio-dia. À tarde, voo-livre. Socializam. Cortejam. Tomam banho de terra, fazem mais uma boquinha e vão sossegar as penas em algum galho protegido. Quando escurece já estão com a cabeça enfiada sob a asa.

Próximo de onde estou existia o inhapim. Desapareceu. Da ave pernalta preta e branca ficou o símbolo para cidade que surgiu na região dos inhapins. Dizem que os quero-queros são aparentados aos bem-te-vis. Haverá relação entre a visão e a cobiça? Não. O homem é que põe olho-gordo em tudo. Passarinho é feito de bico, penas, virtudes e delicadezas. Vejo os bem-te-vis amarelo e azul, cores benfazejas e, segundo a crendice popular, anunciam chuva.

Fui fotografar a família de azulões. Parecia fácil. Aquelas goelinhas escancaradas pareciam dizer "também quero, também quero" a larva suculenta que a mãe deles prometia. Escondido dos gaviões, o ninho estava na copa cerrada de uma pequena árvore. Tive de subir nuns caixotes para com uma mão afastar as folhas e com a outra focá-los na máquina. No chão irregular me desequilibrei, caí. Estardalhaço! Lá se foram minhas boas-maneiras. Aos olhos da dona azulona eu era um monstro a ser despistado para longe de suas crias. Ela ficou um tempão no alto de um poste próximo, me observando. Quando eu me distraía ela VUPT, entrava por baixo, e não pelo alto onde montei a máquina. Ela fez tanto rodeio que desisti. O jardineiro riu. Não é assim, dona. A senhora tem que se disfarçar. Voltei para casa chateada, com pé torcido, fotos tremidas, em busca de um disfarce. Improvisei galhos no chapéu de palha. Foi tarde. Caiu toró. Quando retornei, o ninho estava vazio.

Como chateação pouca é bobagem, o vizinho conseguiu a proeza de atrair um beija-flor, só para provocar o meu "também quero". Não me dei por vencida:
--- Estica a mão aí, moço, por favor, fique quieto!
Clique, clique, clique.

Tinê Soares – 10/3/2008 - 23:47:03
NR: A foto e a arte são da Tinê também.

3 comentários:

Unknown disse...

@oi.com.brCê tá ficando boa nisso...

TS disse...

piumarroba: tenho que ser em alg. coisa, além de... né? Bicadinhas... de leve. Rsss.

ze disse...

pois é. 'tá ficando boa nisto. há um método de observação das tribos dos pássaros. fiquei impressionado com os costumes e horários : parecem gente! devem ser mesmo. casal de siriema que anda junto. enquanto eles dormem os vagalumes brilham: à noite.