20.2.08

Ironias da História - O capítulo de Fidel


“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”
(Karl Marx em”O 18 Brumário de Luis Bonaparte”)
A história me absolverá. Disse Fidel Castro ao encerrar a sua defesa diante de um tribunal depois do malogrado ataque aos quartéis de Santiago de Cuba e Bayamo no dia 26 de julho de 1953. Era o começo de uma rápida jornada: amargou pouco tempo no cárcere. No exílio, Doutor Castro, como era tratado nos EUA, trazia o rosto bem escanhoado e com sua lábia seduziu políticos, empresários e a imprensa americana. Logo arrecadou fundos para tentar derrubar a ditadura corrupta de Fulgêncio Batista. Esse namoro com os americanos continuou durante os tempos da romântica guerrilha em que mergulhou a partir de Sierra Maestra. O discurso amoroso se intensificou depois da desastrada invasão que cometeu a bordo do iate Granma quando desembarcou com 82 homens na província de Oriente em dezembro de 1956 sob fogo do governo. Desse episódio só sobreviveram 12 combatentes. A imprensa oficial se apressou em noticiar que as forças de Batista haviam liquidado o foco rebelde, coisa que foi desmentida para o mundo em fevereiro de 57 no New York Times pelo jornalista Herbert L. Matthews que entrevistou nas montanhas o esperto advogado já em roupas de campanha portando uma considerável barba, espantando mosquitos com seu indefectível charuto. O movimento teve calorosa recepção na mídia do “país muy amigo”,inclusive em publições conservadoras. A revolução alcançou o máximo de sua fama quando chegou até as páginas da Reader’s Digest que era um fenômeno no meio da imprensa com circulação espetacular em todo mundo. Mas, a glória mesmo, veio com a TV em maio, numa reportagem da CBS que se embrenhou na mata para levar aquele curioso bando de insurgentes para as telinhas dos lares da américa, na hora do jantar.
Enfim depois de 3 anos de luta, Fidel e seus barbudos, derrubaram Batista e inscreveram Cuba na história e na mitologia do século XX com sua Revolução. A queda do regime na verdade é mais complexa, mas pode se resumir, dizendo que quase caiu de podre. Estava tão desmoralizado que Eisenhower, por baixo dos panos tentou uma solução negociada para o afastamento do ditador. No Museu da Revolução, em Havana, entre uniformes manchados de sangue seco dos guerrilheiros, e até a máquina de escrever “Hermes” em que Alejo Carpentier compôs “O Século das Luzes”, está o famoso “telefone de ouro” presenteado por uma corporação Americana a Batista que por sua vez tinha uma sociedade com o mafioso Meyer Lansky. A ilha atraia vários cappi das famílias criminosas dos EUA, gente do calibre de Vito Genovese, Frank Costelo e um cujo nome curioso era Santo Trafficante Jr.
Lansky tinha construido um big Hotel,o Riviera, que na época era um templo de prazer em frente ao Malecón para receber seus convidados, entre os quais, figuravam grandes empresários, militares e gangsters americanos que iam se divertir nos cassinos e relaxar naquele bordel a céu aberto.
É preciso salientar que sempre houve um velho desejo americano de se apossar biblicamente da Ilha. Não se pode esquecer que em 1890, depois do último combate contra os índios em Wounded Knee Creeck o Capitão A. T. Mahan escreveu no Atlantic Monthly : “quer quiserem ou não os americanos tinham agora que começar a olhar para fora”. É o começo de uma onda expansionista que vai dar na anexação do Hawai e no envolvimento na guerra de libertação de Cuba contra a Espanha no final do século XIX. Soldados “mambises” e americanos combateram lado a lado, mas na hora H, os irmãos do norte passaram a perna nos nativos e dominaram a Ilha durante um bom tempo.
Vai daí que os americanos esperavam a gratidão de Fidel,após os festejos da vitória. Porém ele surpreende com seus planos de autonomia e escandaliza ao nacionalizar as riquezas país. Em represália, os gringos deixaram de comprar o açúcar cubano. E aí começa uma queda de braço,sem fim. O desdobramento todo mundo sabe de cor e salteado: Cuba passa a orbitar a União Soviética. Em 196l os EUA rompem relações diplomáticas com o regime castrista. Vem a intervenção com a vexaminosa “operação lambança” na Baia dos Porcos em abril de 1961, na qual a CIA lança 1500 homens que são rechaçados numa tentativa de invadir a Ilha. E para piorar a situação em 62, explode a chamada “Crise dos Mísseis onde EUA e URSS quase precipitam a Guerra atômica, tendo por pivô a instalação de bases para lançamento de mísseis em território cubano. Na sequência acontece a expulsão de Cuba da OEA e se incia um embargo ecônomico que dura 44 anos. Até 1990 a URSS segura a onda. Quando ela “ruidosamente” sai do mapa, a Ilha cai na dura realidade e começa uma longa agonia. Nestes 47 anos que passaram ,pode-se dizer que Fidel fez história com o inimigo no seu calcanhar. Cometeu grandes erros e o principal deles foi, aos olhos do Ocidente, impedir as chamadas liberdades democráticas. Por outro lado resolveu o problema educacional, criou uma universidade realmente popular, deu assistência médica gratuita e de qualidade ao seu povo. Não se sabe ainda se a história o absolverá. Hoje engenheiros dirigem táxis porque não existe onde trabalhar. Sente-se o crime do embargo na deterioração da vida cotidiana do povo cubano. O mundo se transformou muito desde 1959, Cuba parece ter parado no tempo como seus velhos “cadillacs” e “oldsmobiles” que roncam pelas ruas de Havana. Os quartéis do inimigo na atualidade são os Shopping centers e as armas suas grifes.
A importância de Fidel hoje, está em ser mais do que tudo, um símbolo da resistência, inclusive biológica ao império. Há muito tempo que se prepara a sua aposentadoria. Chegou, por fim. Ele longe da cena, talvez facilite uma transição pacífica. Isso pode acontecer, agora , porque Bush vai desocupar a moita(sem trocadilho). Quando Fidel foi operado pela primeira vez,um porta-voz da Casa Branca anunciou que já havia liberado 80 milhões de dólares para financiar a mudança do regime cubano. Convenhamos que assim não se chegaria a lugar nenhum.
Quando o último líder carismático da América que ousou ir contra a prepotência do Império esboça o seu adeus, cabe começar a investigar se a história absolverá também os crimes do “irmão do norte”? Aqueles que ele cometeu em nome da “democracia”. Vamos lá, é só recordar do Brasil de 1964 e da “Operação Brother Sam”. Da derrubada de Allende no Chile, da Nicarágua y otra cosas más que fez na nuestra pobre América Latina. E o que dizer das atuais criaturas do mal, como Bin Ladem e Saddam Hussein? Apesar de um já ter ido pra vala, cabe lembrar que estes dois elementos foram alimentados com papinha pela Casa Branca.
Obs. Nós caricaturistas lamentamos a aposentadoria de uma fisionomia tão marcante com aqueles uniformes incríveis, bacanas de desenhar.

2 comentários:

ze disse...

Boa aula de História. sinto que o capitalismo está agonizando. Já é paradigma saúde e educação gratuita, sendo Dever do Estado. Fidel e Cuba deram o exemplo. Só nos cabe seguir. Com Lula já estamos no Socialismo. A direita perdeu.

LIBERATI disse...

Caro Zé, desculpe, mas acho que com Lula estamos no "Bolsa-familismo" (ou será familhismo?)
Depois pelo que a gente vê, direita nunca perdeu, é só olhar a cidade, sua divisão , os palácios e as palhoças, os planos econômicos...Depois, temos que repensar essa história de direita e esquerda, isso foi estabelecido faz muito tempo. Precismos de novas classificações, o mundo ficou complexo. O irracionalismo tem outros nomes.
Abraços