17.9.07

Hemingway diz que Scott era um porre!


Hemingway e Fitzgerald em dose dupla
O grande Hemingway realmente tinha suas diferenças com o genial Scott Fitzgerald como registrei na anacrônica anterior.( desculpem o tom adjetivado) O velho Ernest não escondia isso. No excelente livro “Papá Hemingway” de A. E. Hotchner (um belo exemplar de reportagem publicado pela Editora Civilização Brasileira- 1967) há um trecho em que "Hem" fala sobre o lado obscuro de porrista do inventor da Era do Jazz:
“Oxalá eu pudesse lembrar-me apenas dos bons momentos que passei com Scott e esquecer o resto; mas era por demais penoso, creio eu. Como na ocasião em que fui visitar Scott e Zelda nas vizinhanças de Baltimore. Eles tinham lá uma bela mansão e convidaram-me para passar com eles o fim de semana. Respondi que podia apenas jantar em companhia de ambos, pois que tinha de voltar para New York, onde estava trabalhando, juntamente com Max Perkins na revisão de provas tipográficas. Fui recebido na estação por seu chofer, Pierre, que estava dirigindo um Hotchkiss especial, um dos mais caros e elegantes automóveis franceses da época. Logo depois que partimos, notei que uma fumaça negra saía do motor. Chamei a atenção de Pierre e ele me contou esta triste história:
- Disse-me que era chofer de táxi em Montmartre, quando certa noite, Zelda saiu de um night club e pediu-lhe que a conduzisse de volta ao Ritz. No caminho parou num lugar qualquer para apanhar Scott e, ao chegarem ao Ritz, Scott combinou com ele para que os levasse , na manhã seguinte, até o Havre. No dia seguinte, quando chegaram ao Havre, onde deviam tomar um barco de volta aos Estados Unidos, Scott teve uma idéia brilhante. Ele comprara um Hotchkiss novo em folha, que estava sendo guindado para o navio. Que poderia haver de melhor do que ter, nos Estados Unidos, um verdadeiro chofer francês? Pierre insistiu em que não falava inglês, e que não tinha consigo roupas nem passaporte, mas, como sempre, o entusiasmo e a persuasão de Scott acabaram prevalecendo, e Pierre abandonou o seu táxi no cais. Scott obteve alguns documentos temporários, os quais permitiriam que Pierre embarcasse .
- Mas, Monsieur Hemingway – disse-me Pierre- desde o momento em que cheguei, a vida, para mim se converteu num pesadelo. Este belo carro…e Monsieur Fitzgerald não me permite que troque o óleo, nem o lubrificante. Insiste em que se trata de óleo francês e de graxa francesa, e que, por conseguinte, não devem ser trocados. De modo que este belo automóvel está pegando fogo. Veja! Diante dos meus próprios olhos! Eu mostro a Monsieur Fitzgerald a fumaça negra; ele sabe o que está acontecendo, mas não permite que eu troque o óleo nem a graxa. Por favor, será que o senhor não pode influenciá-lo?
- Scott vivia numa bela mansão , bem junto à água, cercada de gramado verde e ondulante, mas as grandes árvores a tornavam, de certo modo, melancólica. Scott e Zelda estavam vestidos a rigor e achavam-se bebendo à grande . Scott sabia que eu gostava de borgonha, de modo que havia sobre a mesa seis garrafas de uma safra estupenda, todas já desarrolhadas. Acabei por constatar que eles estavam tomando Mosele, e que o borgonha era somente para mim. Seis garrafas “já abertas “. Você pode imaginar? Havia uma empregada de cor, muito atraente, a servir o jantar e, cada vez que ela servia um prato, Scott dizia: “Você não é o melhor rabo de saia que já tive? Diga a Mr. Hemingway! A jovem não lhe respondia, mantendo a compostura. Ele deve ter-lhe ditto isso umas dez vezes:-“Diga-lhe que grande gatinha carinhosa você é.” Dizia-lhe isso, dezena de vezes.”
O maravilhoso escritor J.D. Salinger( autor de O Apanhador no Campo de Centeio, 9 estórias, Franny & Zooey e Pra cima com a viga moçada) por sua vez não suportava Hemingway, que conheceu depois de seu batismo de fogo na Normandia. Seu biógrafo não autorizado, Ian Hamilton, diz que Salinger encontrou o velho "Hem" em Paris e que considerava o autor de “O Velho e O Mar” um machista inveterado que se deliciava em matar animais em suas caçadas promocionais. Acho que parece que testemunhou uma cena deprimente em que Hemingway despedaçou a cabeça de uma galinha só para mostrar sua pontaria…enfim escritores também se odeiam em doses variadas. Nota: Dizem que Salinger gosta mesmo de um suco natural.

4 comentários:

Anônimo disse...

Sem trocadilho, eu prefiro o Ernie ao Fitz. Este era meio dândi, um faroleiro cortesão. O outro, um machão dos bons, de sorriso largo, tonitroante, pisava fundo no copo e adorava gatos.

Não vou repetir meu comenta à caricatura, mas, o caricaturado é tão bom que funciona em qualquer posição (sem trocadilho, p.f.), ponta cabeça ou não.
Tenha um bom dia!

LIBERATI disse...

Cara Tiné, gosto dos dois, Hemingway é aquele texto de frases curtas, enxutas. Seco no deserto,molhado na chuva ou no curso dos velhos rios. Mas "Por quem os sinos dobram" me deixou meio cansado e com a sensação que alguma coisa alí podia ser cortada. Fitzgerald é aquele raso da catarinha que é ao mesmo tempo profundo, o recorte psicológico dos personagens, o texto irônico implacável,a criatividade e sabe como ninguém descrever as impossibilidades do excluído diante da "alta sociedade", veja Grande Gatsby que obra fenemenal, quase perfeita. Os dois são grandes, cada um numa dose, ou em muitas.
um abração

Anônimo disse...

Liber, estais desmistificando os autores. 'O velho e o mar'é marcante como uma vitória impossível da esquerda contra o capitalismo: Chávez neles. (Como podem falar de Marta com Formiga dando um passe daqueles de muitas jardas?). Zé.

LIBERATI disse...

Caro Zé, sabe que não gostaria de desmistificar nem o Hemingway, nem o Scott Fitzgerald, tampouco o J.D. Salinger (cuja capa dos principais livros eu tive o prazer de fazer e estão nas boas livrarias do ramo pela Editora do Autor)
Depois dos nossos comerciais quero dizer que eu sou fã de carteirinha desses autores. Mas eles tem umas penimbas (ou seria pinimbas) entre eles que acho magníficas. Marta é o nosso Pelé de saias, mais do que Pelé, é Pelé, Tostão e Garrincha de saias.
Um abraço