30.9.07

Em busca de J.D. Salinger- A missão


(Continuação- obs:resenha feita em 1990) Só a paixão motivaria um respeitado escritor como Ian Hamilton – 52 anos, ex- editor de poesia de The Times Literary Supplement, autor de vários livros de poemas, de um estudo sobre revistas literárias e de uma elogiada biografia do poeta Robert Lowell- a tentar o rompimento do invisível mas eletrificado muro erguido em torno do misterioso escritor, que com “O apanhador no campo de centeio”, publicado em 1951, seduziu mais de uma geração de leitores nos EUA e no resto do mundo ( a lenda fala de uma disputadíssima edição clandestina na União Soviética). O poder encantatório desse livro está na forma, no tom com que o personagem principal – o desencantado adolescente Holden Caufield – narra o “negócio de doido” que lhe aconteceu, levando-o ao esgotamento nervoso. “O Apanhador” veio na onda teenage dos anos 50 , que sacudiu os EUA no ritmo do rock; daí o certamente o fascínio que exerceu sobre a juventude.
Muitos anos depois, quando o tempo dos rebeldes sem causa já havia acabado, o livro foi encontrado nas mãos de outro rapaz desencantado, o assassino de John Lennon, que profetizara o fim do sonho em que o poder jovem tinha viajado. O virus daquele “negócio de doido” que inoculava a juventude Americana também alcançou Ian Hamilton em plena adolescência, embora ele fosse inglês: “Quando li “O Apanhador”, aos 17 anos, passei meses sendo Holden Caufield. Levava o livro(…) como uma espécie de talismã. Era para mimmais engraçado, mais comovente e mais certo a respeito de como eram as coisas do que tudo o que já havia lido.”
Esse encanto o levaria, muito depois, a mexer num vespeiro e a se meter num imbroglio autoral ao escrever a biografia tacitamente não autorizada do escritor, “In Search of J. D. Salinger” (Em busca de J.D. Salinger), título apropriado, pois foi verdadeiramente uma busca, por vezes desesperada. O que Hamilton queria fazer era um estudo consistente sobre a vida de J.D.
Sua primeira carta teve uma resposta educada, porém seca: o mito não queria conversa. Mesmo assim Hamilton mergulhou no trabalho. Mas o desencanto foi se apossando dele na medida em que não conseguia depoimentos dos colaboradores de Salinger, surgiam problemas de ordem legal e, por fim, uma carta em que o romancista pedia-lhe com mau humor para deixar sua família em paz.
Salinger, registra Hamilton, tinha poder “para silenciar todos os que quisessem descobrir por que deixara de falar”. E o livro só não se transforma em um muro de lamentações porque o inglês teve energia suficiente para vencer a depressão e fair-play para não se deixar abater completamente pela “Greta Garbo da literatura americana” (nas palavras dele e de certa mídia rejeitada pelo escritor). Humor e ironia são características que salvam o livro do malogro. Além do mais, Hamilton, apesar da admiração pelo escritor, sabia com quem estava lidand. Na abeertura de sua polêmica biografia ele registra: “Eu não tinhaque escrever este livro(…) Quando declarei na carta que meu “projeto” for a encomendado pela Random House, sabia que ele imediatamente acharia que eu trabalhava para o inimigo”.(Continua no próximo capítulo)

2 comentários:

Anônimo disse...

Não sou expert em Salinger, mas chega uma hora em que a busca pelo tempo se transforma em busca pela serenidade; já não importam as ações observadas nos outros ou as de si, é como um buraco-negro aonde vamos paulatinamente nos dissolvendo c/ tudo que se viveu, pensou, debateu, ansiou, fracassou ou venceu; ter consciência de que nos desfazemos para em seguida sermos aglutinados à "mesma massa" dos outros em igual situação; penso que é nesse momento em que, como indivíduo, "o resto da humanidade" incomoda, aí vem a tática: ser gentil, dar bom dia, ouvir... falar o mínimo (ou através dos 'outros', reais ou fictícios)e, se possível, ter um santuário particular no mato ou num galpão velho, pode ser até "aquela" pedra na praia que só aparece quando a maré baixa; ser amável mas, se insistirem em pular o muro, não pensar duas vezes em mandar eletrificá-lo.
Ah, nunca esquecer das fadas!

Cinicamente a falar: quem se retira da vida mundana é porque fartou-se dela, ou quer assistir ao resto do espetáculo com a certeza de não ser interrompido fora do intervalo para poder saborear em detalhes a existência nos mínimos erros.
Ou, pode ser, cansados de rebater críticas e de só dizer/fazer o que os outros querem ouvir/ver, calamo-nos.
Em sociedade, calar significa 'afastar-se'.

Dar satisfação disto ou daquilo, enche o pote.
É preciso ir em busca de outro pote sem que ninguém dê palpite.

LIBERATI disse...

Querida Tinê, eu concordo com esse desejo do Salinger de sair fora do que se chama dos "holofotes da mídia". Mas com essa atitude, ele ficou mais em evidência. Existe um documentário de TV que mostra um pessoal (muitos malucos) que tentam chegar perto dele na cidade em que ele mora. É um saco realmente para ele, tentar não mais se comunicar. O que ele não fez com aquela moça,com a qual trocou cartas e depois foi morar com ele. A experiência parece ter sido traumática, mas rendeu um livro.
Dizem que ele tem um tesouro de textos guardados dentro de um cofre- a moça parece confirmar isso. A filha dele lançou um livro também - mas ainda não li e não existe tradução para o português. Quando fiz esta resenha que você está lendo, li o livro original em inglês, com a ajuda de um dicionário, queimei minhas pestanas, noites a fio decifrando a língua de Shakespeare. Foi legal, biografia e livro técnico são fáceis de ler. O difícil é literatura e poesia.
Preciso que esse blogue tenha mais visibilidade.
Bjs, continue acompanhando essa tentativa de biografia do J.D.
Leia os livros dele, são o máximo!